Por: MARIA LUÍSA ABRANTES
Data: 13/05/2025
Deparei-me recentemente com parte de um vídeo do Professor Carlos Feijó , desconheço de que data , que me despertou a atenção por duas razões . Julguei o tema importante , mas ao mesmo tempo preocupou-me o facto , da abordagem parecer-me um pouco ligeira , pela sua complexidade , tratando-se da codificação , ou da não codificação jurídica .
A discussão entre a aplicação do Direito ” codificado” sistematizado e unitário e a aplicação do Direito costumeiro , ou consuetudinário , não é pacífica , essencialmente pela ausência de sistematização . A questão sendo relevante , da forma como foi abordada , poderia prestar-se a alguma confusão , sobre :
i. O significado da terminologia “codificação ” do Direito unitário sistematizado ( ordenamento jurídico) por um lado , em oposição a ” não codificação ” do Direito consuetudinário ( costumeiro) , que nesse caso tem como fonte única e exclusiva , o costume . O costume , não sendo codificado , as suas normas jurídicas não são objecto de sistematização , o que poderia constituiria um retrocesso ;
ii. por outro lado , a diferença entre a ” codificação parcial ” do Direito unitário sistematizado e a aplicação parcial do Direito costumeiro . Isto é , a possibilidade da aplicação do Direito parcialmente ” codificado” , através da regulação de normas gerais do Direito codificado e sistematizado unitário e a possibilidade de aplicação do direito costumeiro , desde que este não contrarie nenhuma das normas da Lei Fundamental ( Direito Constitucional ) .
iii . O facto do Direito Administrativo ser considerado um ramo de Direito ” não codificado ” ( ex: Portugal , Brasil e Angola , que seguem o sistema jurídico romano- germânico ( civil law) ) , não significa que não exista sistematização e unidade entre as suas normas . O Direito Administrativo é um ramo de Direito , regulado por normas da Constituição e por outros actos jurídicos ( legislação avulsa ) . Os motivos pelos quais o Direito Administrativo é considerado um ramo de Direito não codificado são :
– O dinamismo desse ramo de Direito , em constante atualização ;
– necessidade de flexibilização para actualização célere , sem ter de aguardar o processo mais rígido e demorado para a aprovação de legislação codificada (Código ) .
A ” codificação ” é a sistematização das normas jurídicas que regulamentam determinados ramos de Direito , reunidas num único código , de forma sistematizada , que garante maior segurança jurídica e eficácia do sistema como um todo , pela interdependência das normas , promovidas pelo pelo princípio da unidade . A codificação é diferente da ” consolidação ” , que consiste em simplificar, revisar e inovar relativamente ao ordenamento jurídico já existente .
Os tipo de codificação jurídica podem ser :
i . ” Vertical ” , quando compila o acto jurídico inicial e as suas alterações num segundo acto jurídico ;
ii. ” horizontal ” , reunindo várias leis e actos jurídicos relacionados num único código .
– A sistematização é o acto organizativo das normas , de forma lógica e estruturada , visando torná-las mais compreensíveis e acessíveis , para facilitar o acesso as informações , promover a padronização e uniformidade , facilitando a sua pesquisa e tomada de decisões .
– O princípio da unidade do ordenamento jurídico, ou princípio da unidade do sistema jurídico , “… orienta a interpretação e aplicação do Direito, garantindo a coerência , a segurança jurídica , a eficácia do sistema ” e a prevenção de conflitos , exigindo uma interpretação coerente dos intérpretes das leis .
A obediência à ” unidade ” , refere-se ‘as normas, procedimentos e decisões , com o objectivo de garantir a harmonia , a coerência e a eficácia de determinado sistema jurídico .
São exemplos clássicos a codificação dos Códigos Civil , Penal , do Processo Civil e Penal e de outros ramos de Direito .
– Sempre que se faz uma remissão de artigos entre diferentes ramos do Direito , está-se a aplicar o princípio da unidade jurídica . A remissão consiste na referência a uma norma de um ramo de Direito , com o objectivo de regular determinada questão específica de outro ramo de Direito .
Apontam-se como pontos fracos da codificação , nomeadamente :
i. Dificuldade em adequar ou alterar normas jurídicas com celeridade ;
ii. rigidez na sua aplicabilidade a novas situações ;
iii . possibilidade de interpretação das leis codificadas , ainda que padronizadas .
No sistema jurídico anglo-saxônico , ( common law ), originário do Reino Unido , cujos princípios são aplicados com modificações por exemplo nos Estados Unidos e no Canadá , dividem-se as opiniões , nomeadamente :
i . Os que defendem que o referido sistema jurídico não é codificado , embora se basei em Códigos e Leis avulsas , as decisões tomadas pelos tribunais são baseadas em precedentes judiciais e tem em conta também os costumes ;
ii. os que defendem que ” não é correcto dizer que as leis nos Estados Unidos não são codificadas ” , porque combinam elementos de ” um sistema jurídico com elementos do direito consuetudinário e leis escritas estatutárias , que podem ser consideradas codificadas “. O Código de Leis dos Estados Unidos , é uma compilação de legislação federal geral e permanente .
Tracei estas linhas , apenas para esclarecer os intenautas não juristas , alguns dos quais fizeram comentários que me preocuparam . Seria bom com não ficássem com a ideia , que no caso da não opção pela não codificação jurídica e da adopção do costume , voltaríamos ao tempo que cada tribo aplicaria estritamente as suas normas , de acordo com os seus costumes . Nessa base , por exemplo , o crime de assassinato por acusação de feitiçaria , seria possivelmente despenalizado . Infelizmente , ainda hoje , o costume pode constituir um factor atenuante para a sentença desse crime hediondo .