Por: MARIA LUÍSA ABRANTES
Data: 04/03/2025
Segundo notícias que circulam nas redes sociais referindo a comunicação social da RDC , a Assembleia Nacional de Angola teria aprovado o envio de 400 a 500 militares angolanos , para irem combater ao lado do exército daquele pais , contra as forças do grupo rebelde MR 23 , que o invadiu . Lamentavelmente , tenho sérias duvidas , que os congoleses ( zairenses da RDC ) naturalizados angolanos , ou residentes em Angola , integrem o grupo dos desafortunados militares que irão servir de ” carne para canhão ” .
Infelizmente os congoleses ( zairenses da RDC ) , apenas buscam os benefícios deste país e raramente cumprem as suas obrigações . O momento devieria servir , para despertar o patriotismo da grande comunidade zairense ( da RDC ) em Angola , que deveria ir em massa combater os invasores , que querem-se apoderar dos recursos mineiros do seu país ( no. 1 no mundo) .
Enquanto o Presidente da RDC Félix Tschisekedi com certa razão , defende que o grupo rebelde M23 , criado fora da RDC , é um grupo armado estrangeiro anarquista , apoiado pelo Ruanda , o Presidente ruandês Paul Kagame ( tutsi) , defende que o M23 , ainda que criado no exterior ( pressupõe-se que seja no Ruanda ) , deve ser considerado um grupo de congoleses ( zairenses ) , denominados ” banyamulenge “. Segundo o Presidente Kagame , embora oriundos maioritariamente do Ruanda e alguns do Burundi , os “banyamulenge” são residentes há vários anos na RDC ( uma minoria de 60 a 80 mil , no final dos anos 90 , segundo Gerard Prunier ) , sobretudo na província do Kivu do Sul , que faz fronteira com os dois referidos países .
Entretanto , não estranhamente, o ex Presidente Joseph Kabila , de origem ruandesa ( quando chegou ao poder em 2001 , falava inglês e kiswhaili ) , recentemente quebrou o seu prolongado silêncio , após o reforço do efectivo sul-africano , para apoiar o discurso do Presidente Kagame , ao afirmar , que não se deveria considerar erradamente ( ”
‘a tort ” ) , o grupo M23 como anarquistas , aconselhando não se seguir pela guerra ( depreendendo-se que insinua , negociações de patilha de poder com o M23 ) .
O alinhamento do ex Presidente da RDC Joseph Kabila , ao Presidente Paul Kagame , tal como não surpreendeu a muitos cidadãos da RDC , também não surpreendeu a cidadãos da comunidade internacional , que tem acompanhado as convulsões no ex Zaire e agora RDC , desde a independência .
Durante a Rebelião Simba ( 1964 a 1965 ) , liderada por Pierre Mulele , Soumialot Gaston e Christophe Gbenye , (ex membros do Partido de Solidariedade Africana , os ” banyamulenge ” , apoiaram o Presidente Mobutu Sese Seko , que enquanto Chefe de Estado Maior do Exercito , tomou o poder através de um golpe de Estado , ao governo do Primeiro Ministro Patrice Lumumba , capturado e morto . Aquele , como reconhecimento , concedeu-lhes a naturalização .
É preciso retroceder na história e relembrar , a forma como o Presidente Paul Kagame tomou o poder no Ruanda e impôs uma ditadura , apoiado por outro ditador , o Presidente Yowere Museveni do Uganda ( onde era refugiado, devido ao conflito étnico com os hutus ) . O Presidente Kagame , juntou-se no exílio ao Presidente Museveni , combatendo no grupo armado liderado pelo último , ( o Exército de Resistência Nacional do Uganda ) , que em 1986 capturou Kampala , derrubando um antigo aliado deste , o Presidente Titto Okelo e o colocou no poder.
Nessa altura , o Presidente Museveni nomeou Paul Kagame , Chefe da Segurança da Presidência da República . Mais tarde , Museveni , apoia-o na criação em 1986 , de um grupo rebelde de que era líder , denominado Frente Patriota Ruandesa , conjuntamente com outros tutsi exilados , visando a tomada do poder no Ruanda .
Sobre o grupo armado de Kagame , pesa a forte suspeição de ter derrubado a 4 de Abril de 1994 , o avião comercial em posição de aterragem, onde viajavam , o Presidente do Ruanda Juvenal Hebyarimans ( hutu ) e o Presidente do Burundi Cyprien Ntaryamira . Kagame , defende-se atirando a suspeição para possíveis radicais Hutu (Powers ) , que não apoiavam as negociações com os tutsi . Este gravíssimo incidente teve implicações não só na origem do genocidio ruandês , pois os hutus não se convenceram com a versão de Kagame e do seu grupo armado , mas também na ” Primeira Guerra do Congo ” . Acusam-no de estar na origem de todos os horrores e de manipular os factos a seu favor , para permanecer no poder .
O início da ” Primeira Guerra do Congo” ( 1996 a 1997) , teve como líder Laurent Desire’ Kabila , um congolês ( RDC ) do Katanga , que também falava Kisuahili ( como os ruandeses e os ugandeses ) , gararimpeiro ilegal de ouro , que se opunha ao regime do Presidente Mobutu . Laurent Kabila consegue um contacto com o Presidente Museveni do Uganda , a quem expõe o seu empenho em derrubar o Presidente Mobutu Sese Seko . O primeiro ( em entrevista abaixo) , ficou convencido que Kabila tinha algum potencial e seria útil , embora não tivesse capacidade organizacional , nem êxito nas suas ações contra Mobutu .
Nessa base , de imediato viu a possibilidade de Laurent Kabila poder servir os interesses e desejo de vingança , do seu ex companheiro de guerrilha , o Presidente ruandês Paul Kagame , de quem o aproxima . Segundo o próprio Presidente Museveni , naquela altura , o Presidente Kagame estava desavindo com o Presidente Mobutu , que não queria apoia’-lo na sua luta contra os hutu . Laurent Kabila , fica nas mãos do Presidente Kagame . Este , em troca do seu apoio , propõe um acordo , onde seja garantida a partilha do poder , com os congoleses Tutsi oriundos do Ruanda , em funções chave do futuro executivo , pós derrube de Mobutu.
O Laurent Kabila , apoiado pelo seu grupo conseguiu depor o Presidente Mobutu e aos 17 de Maio de 1997 , assume o cargo de 2o. Presidente da RDC . Porém , para a manutenção da estabilidade territorial , as Forças Armadas Angolanas tiveram um papel crucial . O problema , é que o Chefe de Estado angolano não estava ao corrente do interesse cruzado do Presidente Kagame com o Presidente Museveni , que já visavam a partilha do poder na RDC a partir de cidadãos da etnia tutsi , para garantir o seu interesse de exploração dos recursos minerais e possível anexação de parte do território .
A minha afirmação , deve-se aos seguintes factos vividos de por mim :
– Durante uma recepção na Embaixada de Angola em Washington , alusiva ‘a independência , encontrei um cidadão da RDC , mais precisamente do Katanga , que me disse que trabalhava na Voz de América e que se lembrava de mim do Ministério da Defesa em Luanda. Sinceramente , eu não me recordava do seu rosto . Ele disse-me que costumava acompanhar o Comandante Mbumba ( opositor a Mobutu) , de que eu me lembrava bem , porque era eu que secretariava as reuniões , quando ele ia ter com o Ministro da Defesa Iko Carreira .
– Tempos depois , o General Ndalu perguntou-me se podia dar-lhe o meu contacto telefônico , porque ele queria falar comigo , ao que acedi. Durante o tal contacto telefônico , foi-me pedido um encontro numa sala de um hotel . Cheguei a pensar que se tratava de algum potencial investidor. Apareceram ao encontro três pessoas . Fiquei surpreendida pelo assunto que abordaram , que provavelmente teriam também abordado com o então Embaixador , o General ‘ Ndalu .
– O primeiro facto que estranhei , foi o de se me terem pessoalmente apresentado um a um , como sendo congoleses da RDC , quando a exceção do único zairense de Katanga que os acompanhava , os nomes e as fisionomias dos outros dois , estampavam claramente que eram ruandeses , que eu conhecia bem , porque já tinha visitado o país e não só . Um deles era Azarias Ruberwa , que durante a ” Segunda Guerra do Congo ” ( 1998 a 2003 ) , era o Secretário Geral do grupo rebelde de congoleses Tutsi , “Rassemblemant Congolais pour la Democratie ” , que foi criado com o apoio do Presente Kagame do Ruanda , para tomar o poder pela força a Laurent Kabila . O outro elemento era o Bizima Karaha , pertencente ao mesmo grupo .
– O segundo facto , foi o de me pedirem para os ajudar a ter um encontro com o Presidente José Eduardo dos Santos , o que prontamente recusei , aconselhando-os a retornar ao Embaixador. Alegavam que quando o Presidente Laurent Kabila estava no Ruanda , antes de chegar ao poder , tinha-lhes prometido determinados cargos chave , mas que após chegar ao poder , não estava a cumprir na íntegra com o acordo , embora um deles presente , o Azarias Kahara , tivesse sido nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros . Por isso voltariam para a mata , para lutar contra o Presidente Kabila e precisavam que Angola os apoiasse , mas não estavam a conseguir o encontro . Falavam com a cara fechada , com arrogância e com ar de zangados , o que também não me agradou .
– No momento e perante as evidências , disses-lhes abertamente , sem me deixar intimidar , que não me pareciam congoleses ( zairenses) , mas ainda que fossem naturalizados , ou filhos de pais naturalizados , não via motivo para irem para a guerra por causa de alguns cargos políticos . Até lhes dei o exemplo dos zairenses ( da RDC ) em Angola, que me parecia estarem a querer seguir o mesmo caminho , mas de forma mais camuflada e os angolanos não estavam a gostar. As minhas respostas ainda os enervaram mais . Eu percebendo que o clima começava a ficar tenso , disse-lhes que tinha de sair para atender a outros encontros . Fiquei com a convicção , de que não mais me contactariam , até porque , dias depois troquei o numero de telefone . No mesmo dia narrei o sucedido ao Presidente José Eduardo dos Santos e qual a minha impressão . Ele apenas respondeu :
” Eles não sabem o que querem . Fizeste bem . ”
– Cerca de um mês depois , liga-me de novo o Bizima Kahara , para o número de casa , que possivelmente poderiam ter arranjado através da Embaixada . O Bizima , disse-me que a situação tinha piorado , que estava a falar da mata por via satélite e que se a chamada caísse voltaria a telefonar . Insistiu no meu apoio para conseguir o encontro com o Presidente José Eduardo dos Santos e enviou-me um bilhete pelo número do meu fax pessoal , que funcionava acoplado ao número do telefone. Repeti-lhe as mesmas respostas. Ele insistiu mais duas vezes e mudei também o numero de telefone de casa .
– Qual não é o meu espanto , quando ouço pela comunicação social o anúncio do atentado e morte do Presidente Laurent Kabila . Abordei o tema com o Presidente Jose Eduardo dos Santos e aventei a hipótese da possibilidade , de poder ter havido a intervenção de alguém ligado a esse grupo . O Presidente JES muito diplomaticamente , respondeu-me que seria prudente aguardar pelos esclarecimentos oficiais .
– Fiquei ainda mais intrigada , quando é escolhido um filho de Joseph Kabila , sem experiência política , independentemente de ser jovem , de origem ruandesa ( falava inglês e kisuahili ) e este , nomeou Azarias Ruberwa , para seu Vice-Presidente da República ( no final do mandato , foi Ministro de Estado para a Descentralização e Reformas Institucionais ) . Precisamente um dos homens que lutou para derrubarem o seu pai .
Cruzei-me mais tarde com Bizima Karaha em Conferências Internacionais e com o Azarias Ruberwa no Capitólio dos EUA .
Já somos adultos . Como diz o velho ditado , ” Para bom entendedor meia palavra basta ” e eu já me alonguei demasiado , mas julguei necessário .