Por: MARIA LUÍSA ABRANTES
Data: 14/1/2024
Determinar o limite do tecto dos gastos públicos , é um tema de extrema importância nas discussões sobre a politica fiscal e fundamental , para a compreensão da estabilidade financeira e do seu impacto na economia interna e internacional . E’ preciso ter em conta as consequências por atingir o limite do tecto , ou por não puder honrar o pagamento da divida contraída .
O tecto da divida, também denominado “limite da dívida ” ou ” tecto de endividamento”, é o valor máximo estabelecido pelo poder legislativo , para controlar a quantidade da dívida que o governo fica autorizado a contrair . Isto é , o tecto da dívida , foi criado como medida para que o governo não exceda a sua capacidade de pagamento e evite a insolvência financeira . Limitar o endividamento público , e’ a melhor forma de manter a credibilidade do país no mercado financeiro internacional .
Nos Estados Unidos de América o tecto da dívida foi estabelecido pela primeira vez em 1917 ( Lei do Tecto da Dívida ) , durante a 1a. guerra mundial , porque o governo necessitava de recursos adicionais para financiar a guerra ( 11,5 bilhões de dólares) . Nesse país , quando o governo atinge o limite do tecto da divida , assiste-se ao ” shutdown” ( encerramento do governo) e o governo fica impedido de emitir novos títulos da divida , para financiar as suas operações e cumprir as suas obrigações .
O problema , é que , como as “commodoties ” são negociadas em dólares , um ” calote ” dos EUA , alastrar-se-ia a economia global , afectando os mercados financeiros, com a desvalorização da moeda e o aumento das taxas de juros ao nível mundial da .
O pior ainda , seria a perda de confiança dos investidores , consequência extremamente nefasta para o desenvolvimento de qualquer país , devido a concorrência e entre os países produtores de bens e serviços .
A manutenção de débitos contribui para a elevação dos juros pagos sobre eles , prejudicando as contas públicas do país , o que gera mais prejuízos para a economia nacional.
Para estimar o custo real do empréstimo a determinado país , deve-se ter em atenção não apenas as taxas de juros e os prémios de risco , mas também , as mudanças do valor da moeda ( valorização/desvalorização ) do país endividado, em relação a moeda em que o empréstimo é efectuado . No caso de Angola , desde 2018 tem-se assistido a uma desvalorização “deslizante ” ( administrativa ) , o que tem aumentado automaticamente substancialmente o ônus do pagamento da dívida . Existe a agravante das taxas de juro para Angola serem mais elevadas em função da avaliação do risco.
O serviço da dívida corresponde ‘a totalidade dos pagamentos de juros e reembolso de capital a efectuar num determinado período . O recurso a novos empréstimos para pagamento do serviço da dívida , pode pôr em causa a solvabilidade de determinado Estado .
De acordo com a ONG Debt Justice , citada pela Lusa , ” Angola é o país que vai usar uma maior percentagem da sua receita fiscal ” , numa lista de 84 países , para o serviço da sua dívida este ano , cerca de dois terços ” ( 66,4% das receitas ) no valor de 6,2 bilhões de dólares , representando 5,2% do PIB . E’ uma percentagem do PIB muito elevada , um esforço excessivo para um país dependente de um único produto volátil como o petróleo . Seria a margem de negociação curta , porque não fizemos o trabalho de casa atempadamente , ou não temos bons negociadores ?
Segundo previsão do BAD , só em 2024 , os países africanos pagariam 163 mil milhões de dólares de serviço da dívida , contra 61 mil milhões de dólares pagos em 2010 .
Em termos doutrinais , existe a tentação de se fazer comparações do incomparável , como por exemplo , o facto de haver países mais endividados que Angola ( com a maior divida pública , em 1o. lugar o Japão 251,9% , em 2o. lugar Sudão 238,8% , em 3o. lugar Singapura 168,3% , em 4o. lugar Grécia 160,2% , em 5o. a Argentina 154,54% , em 6o. a Itália 143,2% , em 7o. lugar Estados Unidos 126,9% , em 8o. lugar a França 110,64% , etc. ) , ou se refira haver países que pagam um valor mais elevado em percentagem do PIB ( ex.: Brasil 5,97% ) .
Todavia , ainda que a África esteja muito menos endividada , relativamente aos países desenvolvidos ( cerca de 1/10 do total da dívida daqueles ) e nenhum país se desenvolva sem se endividar , é preciso nunca esquecer a QUALIDADE DA DÍVIDA . O que define se a qualidade da dívida é boa ou má , é a forma de aquisição , o custo e o objectivo que leva a contração da mesma. O financiamento adquirido de forma estratégica e planificada , pode viabilizar um retorno superior ao da dívida em termos de desenvolvimento sócio-econômico.
Acontece que em África , a dívida é normalmente contraída , para pagar despesas administrativas e o que é mais grave , até para pagar salários e despesas de representação , porque está difícil mudar a mentalidade dos seus líderes . Os líderes africanos , e Angola não é excepção , usam o Estado como maior empregador , utilizam o dinheiro da arrecadação de impostos dos contribuintes em despesas extraordinárias pouco transparentes , em contratações preferencialmente por ajuste directo , ( privilegiando os monopólios , ou favorecendo o aparecimento de oligopólios, por meio da cooperação sem concorrência) .
Em Angola o Estado não adopta o princípio ” menos Estado melhor Estado ” , intervindo apenas como alavanca e como fiscalizador da economia , privilegiando o seu papel social , fazendo jus ao provérbio “mens sana in corpore sano ” .
Por outro lado , sem os pressupostos para melhorar o ambiente de negócios , não haverá diversificação da economia , porque não haverá atração de investimento privado. Sem investimento privado não haverá emprego , nem haverá produção de qualidade , destinado ao consumo interno e ‘a exportação .
Em suma ; a receita do Estado não terá capacidade para cobrir a despesa , sobretudo aquela destinada ‘as ações prioritárias do Estado , como a implementação de projetos estruturantes , defesa das fronteiras, despesas com a saúde , com a educação e com a pesquisa científica . Senão para que serviriam a Lei anual do OGE , o controlo da sua execução pela Assembleia Nacional e o Tribunal de Contas ?
É preciso ter sempre em mente , que as dívidas dos Estados Unidos de América , da China , ou de outros países desenvolvidos ou emergentes , estão assentes na produção e exportação de bens e de serviços , o que em Angola ainda é uma miragem . (Os EUA , ainda tem a vantagem de ter a fábrica dos dólares podendo emitir moeda no vazio ) . A título de exemplo , a China produz 1/3 da produção mundial , o dobro da produção dos Estados Unidos . O superávit dos produtos chineses para exportação é de 10% .
Em Angola , há a necessidade de se acabar de uma vez por todas com os luxos exagerados dos membros dos poderes Executivo , Legislativo e Judicial ( sectores improdutivos) , que ultrapassam de longe o salário auferido (que deveria ser ajustado ). Os meios financeiros gastos de forma supérflua ( com viaturas topo de gama , viagens constantes em jactos privados , em 1a. Classe e Classe Executiva , empregados , etc.) , deveriam ser canalizados para construção ou aquisição de novas instalações para escolas, postos médicos , serviços judiciários e policiais , que são uma vergonha nacional .
Só citando um dos casos , a sede SIC da Província de Luanda , ainda funciona na cadeia militar portuguesa , que posteriormente passou a prisão da Segurança de Estado . E lá estão os funcionários , os queixosos e os queixados , todos ” presos ” , a trabalhar ou a ser ouvidos em antigas celas amontoados , ouvindo as perguntas e respostas uns dos outros . Já para não falar da qualidade dos quadros , que salvo raras excepções , pouco mais tem de que a vaidade dos fatos , das gravatas e dos sapatos altos .
É muito triste , mas é o país real , a propósito da qualidade da dívida e do tecto da dívida angolana .
Doutorada em Finanças Públicas e Doutorada em Direito Económico.