POR MARIA LUÍSA ABRANTES
Data: 24/04/2023
O Presidente José Eduardo dos Santos não resistiu à tentação de cometer o gravíssimo erro de propor à aprovação do seu partido político uma única candidatura, com a indicação do nome do candidato por si escolhido, em vez de possibilitar múltiplas candidaturas, que o Estatuto do seu partido permitia7
A ciência política define um sistema político, vulgo Governo, ou sistema de instituições políticas, por intermédio das quais o Estado organiza-se para exercer o seu poder sobre a sociedade, como sendo uma organização política reconhecida por outros Estados.
O sistema econômico é um sistema de produção, distribuição e consumo de bens e serviços da economia de determinado país, assente num sistema político, que é quem delineia as estratégia(s) e traça o(s) programa(s) econômico(s), de acordo com a sua ideologia e objectivos políticos (interesses) de grupo. Afinal, os partidos políticos historicamente, são na maioria criados por grupos de amigos e de conhecidos, e que podem incluir membros das respectivas famílias, sempre que tenham as mesmas afinidades ideológicas e não poucas vezes culturais, comunguem os mesmos princípios e só depois vem a adesão dos demais militantes. Os fundadores tendem a ter a supremacia e a impor a sua vontade, através dos estatutos iniciais que vinculam os futuros militantes dos partidos políticos, ainda que, de quando em vez, possam ser aprovadas ligeiras alterações.
O melhor exemplo na Ásia, é o da Índia, onde o partido da família Gandhi, por falta de descendentes em idade adulta para sucessão, preferiu ter na liderança do seu partido e do seu país, uma cidadã de origem estrangeira (italiana), Sônia Gandi, que era a esposa de Rajiv Gandhi (ex-primeiro ministro assassinado em 21 de Maio de 1991 num ataque suicida bombista, tal como a mãe, Indira Gandhi, e o irmão Sanjay Gandhi). Neste caso, após a vitória nas eleições, a candidata renunciou e ficou apenas a liderar o partido.
Em África e em particular na África Central e do Oeste, o Presidente José Eduardo dos Santos foi um dos exemplos raros, que não obstante tenha governado longos anos por imperativo da guerra, nunca teve nenhum familiar em cargos elevados e com poder de decisão que pertencessem quer ao Executivo que dirigia, quer ao seu Gabinete e muito menos recomendou como seu sucessor, algum dos seus descendentes ou cônjuge. Todavia, como ocorre na África Sub-Sahariana, não resistiu à tentação de cometer o gravíssimo erro de propor à aprovação do seu partido político uma única candidatura, com a indicação do nome do candidato por si escolhido, em vez de possibilitar múltiplas candidaturas, que o Estatuto do referido partido permitia.
Os sistemas políticos diferenciam-se pelas suas características ideológicas, com traços que por vezes se confundem em teoria (Constituição da República), mas que se definem claramente na sua materialização.
É a ideologia dos partidos políticos eleitos através do voto popular, (quase sempre enganados por falsas promessas) e pior ainda, nos casos em que os seus protagonistas se instalam pela força das armas (guerrilha, guerra civil e golpes de Estado), que é seguida pela liderança de determinado país e que estabelece e influencia em absoluto, o seu sistema político (poderes executivo, judicial e legislativo) e sócio-econômico (gestão da economia). São afastados por “ordens superiores”, todos aqueles que se opuseram aos interesses da cúpula do grupo, evocando o desvio à linha partidária.
É a cúpula que lidera o grupo de acção, que na gíria se apelida de “ordens superiores” e eu chamaria de “status quo” (no estado das coisas…). A expressão “status quo” é um arranjo dos tempos modernos utilizado na linguagem diplomática, retirada da frase em latim “in statu quo res erant ante bellum” (como as coisas estavam antes da guerra).
Quem pertence à cúpula dá ou recebe “ordens superiores” e beneficia delas. Faz parte do “SISTEMA”
Não obstante a liderança política dos países emergentes, ainda liderados por partidos únicos (como por exemplo a China e Singapura), não tem por isso de deixar de ter interesse pelo desenvolvimento sócio-econômico dos seus países, traçando estratégias e políticas econômicas sólidas de médio e longo prazo, cuja execução e resultados servirão, no final da cadeia social, o interesse da maioria dos seus cidadãos. Todavia, se tivermos interesse e pesquisarmos, poderemos concluir, que os maiores previlégios se destinam sempre a uma elite criada por servir as “ordens superiores”.
Nas “democracias” ocidentais, tudo começou da mesma forma e os interesses de grupo são e serão sempre salvaguardados pelos interesses de grupo, representados pelos partidos políticos. Não é por acaso que dentro dos partidos tradicionais dos Estados Unidos, se tem encorajado os filhos, irmãos e cônjuges dos chefes de Estado, a candidatarem-se a sucessão dos mesmos. Aconteceu com dois irmãos do Presidente Kennedy, com dois filhos do Presidente Bush, com a esposa do Presidente Clinton e tem sido encorajada a esposa do Presidente Obama, Michelle Obama.
Para avaliarmos até onde podem ir as “ordens superiores” nos países “democráticos”, relembremo-nos, que durante a presidência de George Bush (filho), vários jornalistas da comunicação social privada americana foram afastados (despedidos) das suas funções, por “ordens superiores”, por terem noticiado a verdade sobre o que se passava no Iraque, aquando da invasão pelo exército americano.
O conceito de “Systema” é um termo proveniente do latim, que significa um conjunto de elementos que estão interligados e que interagem entre si.
Para além dos sistemas político e econômico, existem vários outros tipos de sistemas, que funcionam de forma similar.
O sistema conceitual (ideal), é constituído pelo conjunto de conceitos e símbolos, assim como outras representações do pensamento, como por exemplo, as matemáticas, as notas musicais e a lógica formal, entre outros instrumentos do pensamento;
Já o sistema real, é uma entidade material, cujos componentes organizados (conjunto) interagem de tal forma, que nenhuma das suas propriedades pode funcionar sem os restantes. Isto é: o sistema no seu conjunto não se pode afastar das partes, sem as quais o sistema não funciona. São exemplo as células e a bioesfera (sistemas naturais). Existem três tipos de sistemas reais, nomeadamente, abertos, fechados e isolados.
Existem também os sistemas físicos, como por exemplo o computador, e os sistemas abstratos, como por exemplo o software do computador. Dentro dos sistemas, existem ainda os subsistemas, que funcionam de forma similar e que se interligam e interagem entre si e com o sistema.
Em Angola, os sistemas político e econômico formaram-se a partir da escolha de uma liderança inexperiente e com uma base de conhecimento limitada, não apenas do ponto de vista científico, mas também básico, afastando logo à partida, quer os quadros capazes que vieram da luta armada, quer os bons quadros encontrados no interior do país. A constatação desse facto, deu origem à primeira grande decepção dos apoiantes simpatizantes e militantes do MPLA.
A liderança desse movimento, encabeçada pelo Presidente António Agostinho Neto, apercebendo-se desse descontentamento, deu continuidade à utilização do método repressivo utilizado durante a luta armada, com a inclusão da pena de morte na legislação do novo país, para garantir que o poder se mantivesse controlado por um único partido. Isso só seria possível se a sua liderança fosse mantida pela escolha de dirigentes de entre os militantes menos lúcidos e por isso, mais obedientes/subservientes.
O 25 de Abril de 1974, que deu a possibilidade dos países africanos de língua portuguesa tornarem-se independentes, encontrou o MPLA já fragmentado internamente, fenômeno que se iniciou com a substituição da liderança de Mário Pinto de Andrade por Agostinho Neto. Não obstante ambos pertencessem ao grupo formado por intelectuais originários da Casa dos Estudantes do Império, o Presidente Agostinho Neto, ávido de poder, alinhou a sua estratégia no aniquilamento físico, ou no afastamento forçado (exílio) dos seus camaradas intelectuais, a maioria mestiços, cuja origem social era diferente da dele e foram afinal eles quem o convidaram e enquadraram. É muito fácil verificar, que após a independência, Lúcio Lara nunca saiu do partido e à excepção de Mário Afonso d’Almeida ‘Kasesa’, que foi ministro da Saúde, de Carlos Alberto ‘Dilolwa’ (que se suicidou), foi ministro do Planeamento, e de Iko Carreira, que ocupou a pasta de ministro da Defesa, todos eles, com curto tempo de desempenho no Executivo, os outros ou foram mortos, exilados, ou nunca tiveram qualquer relevo quer nas forças armadas, quer no exército. Recordo-me, que quando já muito tarde o general Rui Alberto Filomeno de Sá ‘Dibala’ passou a integrar a lista do Comité Central do MPLA, perguntou se teria direito a passaporte diplomático, porque segundo ele, ansiava por esse momento. Ficou decepcionado por saber que não.
Agostinho Neto formou o seu primeiro Executivo e os que se seguiram nos cerca de quatro anos de governação até a sua morte, em Setembro de 1979, integrando maioritariamente militantes ou dirigentes do MPLA iletrados, ou que possuíam a 4.ª classe completa e pouco mais como instrução escolar. Foram por exemplo os casos de Pedro Maria Tonha ‘Pedalé’, que chegou a ministro da Defesa; de Kundi Paihama, que foi ministro da Segurança do Estado, do Controle do Estado, da Defesa, comissário e governador das províncias de Luanda, Benguela e Huíla; de Mariano Garcia Puku, que chegou a vice-ministro do interior e foi comissário provincial de Luanda e da Huíla; de Rodeth Máquina Gil, que foi secretária de Estado dos Assuntos Sociais; de Ludy Kissassunda, primeiro director nacional da DISA, depois comissário provincial de Malanje e já no fim, do Zaire; Agostinho André Mendes de Carvalho ‘UAnhenga Xitu’, um enfermeiro preso no Processo dos 50, que chegou a ministro da Saúde, também comissário provincial de Luanda e terminou como embaixador na Checoslováquia; Gamaliel Gaspar Martins, outro enfermeiro do Processo dos 50 que depois de terem assassinado três dos seus filhos presos no facciosismo, foi nomeado ministro do Comércio; José Lourenço Ferreira ‘Diandengue’, secretário de Estado da Habitação e depois da Segurança de Estado, terminando a sua carreira como comissário provincial do Cuanza Norte; Kandingó Tchipongue ‘Jamba ya Mina’, que foi comissário provincial do Bié; Manuel Lopes Maria ‘Ximutu’, que foi o primeiro comissário provincial do Bengo; Armando Fandango Dembo, comissário provincial do Moxico e depois do Cuanza Sul; Eusébio Sebastião, que foi comissário provincial de Malange e embaixador de Angola no Reino Unido etc…, etc…, etc…, já sem citar outros, diplomatas, enfermeiros auxiliares que também foram nomeados ministros, directores, entre outros. O primeiro-ministro possuía a 4.ª classe. Para mais detalhes, recomendo a leitura do meu livro intitulado “Uma Vida de Luta”.
Pelos Acordos de Alvor, estava preconizada que a escolha do partido para governar Angola deveria ser feita através de eleições livres, a 11 de Novembro de 1975, o que não veio a acontecer. Os principais movimentos de libertação, FNLA, MPLA e UNITA desentenderam-se, pretendendo antecipar-se e conseguir alcançar a liderança do país pela força. Tal desiderato foi conseguido pelo MPLA, com apoio da população de Luanda.
Sem pretender entrar a fundo no tema sobre o longo conflito armado que se seguiu, se houve um dirigente do MPLA que desmentiu que a FNLA comia corações, poderei afirmar comprovadamente sem qualquer dúvida, que nenhum cidadão que não fosse da FNLA, ou da UNITA, poderia passar em frente das delegações desses dois partidos sem que fosse preso, torturado e fuzilado, assim como nenhum militante desses dois partidos poderia passar em frente à delegação do MPLA, sem que fosse igualmente preso e endoutrinado.
Muitos dos endoutrinados pelo MPLA, transformaram-se em membros da Segurança de Estado, do Governo, diplomatas e deputados desse movimento (que se transformou depois em partido do trabalho). Recordo-me, que um irmão menor de um militante da FNLA, o Didó (Rodrigues Coelho), foi preso porque passou em frente à delegacia desse partido, (morava próximo). O Didó intercedeu junto do Gabinete do então primeiro-ministro do Governo Colegial de Transição pela FNLA, John Pinock Eduardo, o privilegiado embaixador Apolinário Correia, mas não houve perdão. E o jovem foi mesmo executado depois de torturado, sem qualquer motivo, ou apenas por ser mestiço (?). Provavelmente, foi em cumprimento de “ordens superiores”, com as quais estavam de acordo (porque só “saíram” desse partido após serem derrotados), que devem ter vindo do Presidente da FNLA, Holden Roberto.
Pela sua origem e gênese, as formações políticas angolanas existentes, ou vieram da guerrilha (FNLA, MPLA e UNITA ), ou são originárias de dissidentes dessas mesmas formações políticas. Propositadamente, foi vedada na Constituição de 2010, a possibilidade de candidaturas independentes ao cargo de Presidente da República, que é eleito por colagem à lista como nomes indicados pela cúpula do partido. Ora, todos nós já vimos que no seio de tais partidos sempre imperou o racismo, o tribalismo e as “ordens superiores”. Os quadros não podem mostrar que ultrapassaram a mediocridade e ter opinião própria e válida, porque as “ordens superiores” afastam-nos, sob pretextos variados, não sabendo se a pior punição para os desobedientes será ir parar à cadeia temporariamente, ou nunca mais conseguir emprego.
Como as “ordens superiores” em Angola criaram e alimentam uma teia de interesses de um grupo protegido pela cúpula do MPLA, que vai atirando algumas migalhas para os “pássaros”, que inclui a oposição?
Encontrem parte da resposta no meu livro “Uma Vida de Luta”. Aliás, cada um dos parágrafos acima daria para escrever um livro.